sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Ruysbroeck e a (im)possibilidade moderna de iluminação


"Se pudéssemos renunciar a nós mesmos e a todo o egoísmo em nosso trabalho, deveríamos, com nosso espírito nu de imagens, transcender todas as coisas, e sem intermediários ser conduzidos pelo Espírito de Deus até a Nudez... Quando transcendermos a nós mesmos, e nos tornarmos, em nossa ascensão para Deus, tão simples que o amor nu das alturas possa nos tomar, onde o amor abraça o amor, acima do exercício de qualquer virtude - isto é, em nossa Origem, de Onde nascemos espiritualmente - então cessamos, e nós e toda nossa individualidade morre em Deus".


Os afeitos aos estudos dos textos/discursos religiosos universais notarão a semelhança com um texto budista, hindu ou até mesmo sufi. Mas é do místico cristão do século XIV, (Jan Van) Ruysbroeck (Bélgica 1293-1381). 

Há algo de perturbador em todos os místicos cristãos, seja na 'ortodoxia' de um Ruysbroeck até o quase panteísmo (se não herético, fronteiriço) de um Eckhart. Algo incaptável, obscurecido no e pelo tempo, que nossa razão moderna logo se apressa a oferecer um primeiro combate. Interessante também, para os afeitos às religiões comparadas, a semelhança de percepções em relação à iluminação, à ascese e processos de epifania entre os místicos das variadas correntes, sem desejar entrar aqui no mérito da Verdade religiosa (pois sabemos que Jesus é a Verdade). 
Gosto de refletir se um dia terei alma, tempo e paz para me dedicar à contemplação mística de Deus. E se, possuindo eventualmente tais atributos, lograrei ir além de pálidos rudimentos, sombras de outras sombras, obliterado que terá sido meu entendimento pela velocidade e hipersolicitações (hiperinformação, hiperengajamentos) que a vida moderna terá me obrigado até então.
Há espaço para a verdadeira e efetiva (realizável) contemplação mística em nosso século?  Já que o pensamento místico cristão é de maneira geral a seara de alguns teólogos e doutores da igreja católica, um dos maiores teólogos católicos do século XX, Karl Rahner, dizia que "o cristão do futuro ou será místico ou nao será cristão." Espero que esteja certo neste prognóstico, espero que possamos lançarmo-nos na nudez de Deus.

Sammis Reachers

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